ADAPTAÇÃO E AMADURECIMENTO AO MORAR NO EXTERIOR
Eu costumo dizer que a gente se acostuma rápido a coisa rápida.
Até hoje lembro da minha dentista, no dia em que eu tirei o aparelho fixo, dizendo isso para mim. Que eu iria me acostumar muito rápido a não ter mais aparelho na boca, mas que sim, no começo é aquela sensação estranha e boa ao mesmo tempo.
No começo é difícil você não ficar maravilhado. Acho que se você chega no Canadá e odeia logo na primeira semana, realmente alguma coisa errada pode ter acontecido no seu processo. Não que seja um absurdo ou que você seja obrigado a gostar no Canadá no momento em que você pisa nele, mas é bem comum o pessoal que sonhou tanto em vir pra cá, ter um primeiro momento de deslumbre. Sentimentos como medo, insegurança, culpa por ter deixado as pessoas que gostava no Brasil, dentre outras coisas podem surgir e fugir do que normalmente se sente quando chega-se aqui. É sempre um choque, seja positivo ou negativo. Mas também, para quem sonha demais, pode sempre existir aquele baque da quebra de expectativas. Eu sofri sim com isso, mas não foi na primeira semana! rsrs
Como eu disse, o primeiro momento é quando começamos a ficar maravilhados com o fato de não precisarmos andar abraçados às nossas bolsas ou termos a liberdade de fazer muito mais coisas nas ruas sem medo do que como era no Brasil. A verdade é que eu demorei ainda algum tempo, tipo uns 2 meses pra finalmente começar a andar sem medo nas ruas. O pessoal tirava sarro de mim dizendo que ninguém ia me assaltar. Hoje eu olho pra trás e penso “ai que besta eu era”, mas pra quem sai de uma cidade muito violenta e muito insegura no Brasil, acho que ás vezes o processo de se adaptar a se sentir seguro pode ser um pouco mais lento como foi comigo.
Fazer amigos brasileiros foi bem fácil por causa do canal. Eu não me lembro de ter achado que iria ficar sozinha, porque eu já cheguei aqui saindo todo dia com pessoas diferentes. Mas eu sei que tem muita gente que tem dificuldade no começo justamente por ter dificuldade de fazer amigos. Acho que o exercício de começar a fazer contatos antes de chegar aqui é sempre bom, apesar de que o mais indicado é sempre fazer amigos locais ao invés de brasileiros. Fazer amigos canadenses ainda é algo que eu tenho dificuldade e me leva de volta ao episódio citado no post do homesick.
Tem muita gente que sente dificuldade na adaptação quando vê que aqui não vai ter mais suporte da família, amigos e até mesmo de profissionais pra ajudar com tarefas domésticas….
Na minha casa estava todo mundo achando que eu ia sofrer por ter virado dona de casa, como se morando em SC, eu não tivesse sido dona de casa antes, mas tudo bem. Acho, sinceramente, que ser dona de casa não está nem entre as 10 coisas mais difíceis de se adaptar aqui. Não gosto de ser dona de casa, mas isso já faz parte da minha vida aqui e não é nenhum bicho de sete cabeças. Pra ser bem sincera, não tem peso nenhum na minha vida aqui hoje. O que pesou foi ter que aprender a cozinhar. Eu sempre fui uma negação na cozinha e agora tô arrasando (mesmo sem saber fazer coisas básicas como arroz), já sei fazer umas receitas maravilhosas e tô engordando igual uma vaca porque adoro a minha própria comida.
A língua não foi uma coisa difícil na minha adaptação, mas eu sei que é na adaptação de muita gente. Eu já comentei isso muitas vezes, eu fiz muitos anos de curso de inglês e praticava com bastante frequência o inglês no meu dia-a-dia. Não cheguei aqui com o inglês perfeito, mas não foi difícil. Difícil é entender o que algumas pessoas com sotaques fortes falam. Como eu disse, o problema não é a língua, tentar se expressar, ler, escrever. O problema é entender o que algumas pessoas falam com um sotaque tão carregado. Essa dificuldade, não tem jeito, você tem que superar aqui. E acho que treina o seu ouvido de uma maneira incrível. Se eu pudesse dizer hoje os momentos em que eu tenho dificuldade com a língua seriam quando eu falo no telefone com alguém, quando a pessoa fala muito baixo na minha língua ou quando eu pego aquele professor que tem um inglês pior do que o meu. O resto tem sido bem tranquilo.
Não considero o meu episódio de “homesick que não foi homesick” sendo um problema de adaptação. Acho que até comentei isso no vídeo. Eu me sentia adaptada, mas algumas coisas que eu via e sentia no momento não me deixavam feliz. Acho que se sentir adaptado é você entrar na rotina e na forma de viver do local sem sofrer. Sim, adaptação tem sim a ideia de você conseguir se inserir no meio em que você vive, mas pelo que constatei aqui, com outros amigos brasileiros e inclusive com os canadenses que eu fiquei amiga depois por aqui é que até os canadenses têm dificuldade de fazer amigos aqui e se mesclar com a comunidade. Pelo menos aqui em Vancouver. Bom, cada caso é um caso, falo isso baseado nos meus amigos canadenses e obviamente baseado na minha experiência.
O frio é sempre uma coisa que as pessoas têm medo de não acostumarem rápido. Dependendo da pessoa demora sim, e muito. Eu acho que a parte que talvez seja mais difícil na adaptação, especialmente de pessoas que vêm de lugares muito quentes, é a chuva excessiva de Vancouver.
Eu tenho um paciente que é apaixonado pelo clima de Vancouver, mas realmente ele veio de uma região em que quase não chove, então a chuva é uma benção. Talvez pra quem tenha vindo de São Paulo, que está acostumado com chuva, não seja um impacto tão grande. Eu optei por vir para Vancouver pra fugir da neve, já que eu não tinha experiência prévia com neve e sim com chuva.
No mês de outubro, choveu 28 ou 29 dias do mês. E eu me lembro que quando me disseram isso, foi o momento que eu percebi que eu tinha me adaptado à chuva, porque eu não percebi que choveu todo esse tempo. Aquilo se tornou parte da minha rotina. Como agora é parte da minha rotina sair com duas calças e dois casacos e ficar suando igual uma louca dentro de ambientes fechados. Eu posso ter me acostumado com lidar com chuva, mas isso não me obriga a gostar de chuva. Pra falar a verdade, a ideia de pensar em morar num lugar onde chove o tempo todo me faz pensar “aaaaaaaaaaai queeeeeeeee poooooorre”, mas é só isso. Eu pensava a mesma coisa quando morava em SC e houve aquela chuvarada que deixou um monte de cidades debaixo d’água. Pois é, meu primeiro ano lá e eu pegando aguaçeiro.
A questão do frio realmente é muito pessoal e depende muito de para onde você está indo e de onde você veio. Acho que todo mundo que eu conheci aqui que morava no sul do Brasil diz que sentia mais frio no Brasil do que no Canadá (não é vira-latismo, é opinião geral). Eu inclusive. Foi baseado no meu medo de sentir frio (que eu desenvolvi morando em SC) que eu optei por Vancouver também.
Para mim, a parte mais difícil da adaptação foi o momento em que eu vi que eu tinha que amadurecer uns 20 anos pra poder lidar com pessoas de uma maneira geral aqui.
Eu sempre fui uma pessoa muito grosseira, muito impulsiva e muito honesta com as pessoas que me rodeiam. Aqui, eu faço um esforço muito grande pra evitar esse tipo de comportamento. Eu acho que melhorei muito e foi graças aos momentos em que eu fiquei surpresa com a delicadeza e gentileza das pessoas ao meu redor aqui. Algumas semanas atrás eu estava em uma aula de auriculoterapia e uma das alunas estava tentando gravar com o celular, mas eu vi que ela estava gravando de um jeito muito esquisito, onde quase não conseguia pegar o que o professor estava mostrando na orelha da nossa colega. Eu me ofereci para gravar pra ela, já que eu estava em um ângulo melhor. Ela me deu o celular e disse no meu ouvido baixinho “toma cuidado para não filmar o decote da nossa colega porque ela pode não gostar que eu filme”. Naquele momento, eu prontamente dei meu jeito de não filmar o decote da nossa colega, mas eu fiquei tão pensativa com o nível de consideração, gentileza, respeito, carinho que ela demonstrou com essa atitude…. porque eu acho que nunca no mundo eu teria esse pensamento cruzando a minha mente.
Toda demonstração de gentileza que eu vejo aqui é sempre muito impressionante para mim. Sempre. Até na hora de criar barraco em loja, por exemplo, o barraco do canadense é diferente. Acho até que é uma gentileza diferente da gentileza que vemos no Brasil.
Eu ainda tenho dificuldade de me expressar devido à questão da grosseria e impulsividade? Sim, tenho. Mas o meu alerta acende na hora e eu imediatamente peço desculpas.
Outra coisa que foi difícil na minha adaptação aqui é que, bem, ter um canal no YouTube me tornou uma pessoa pública. Não que eu seja famosa (tô loooooooooonge do Canadá Diário e sei que tem gente aqui que não conhece o canal deles, então quem sou eu, né?), mas isso não impede as pessoas de me encontrarem na rua e virem falar comigo, o que eu acho super legal. Mas pra quem saiu do Rio de Janeiro, uma cidade grande e vem pra Vancouver, que é um ovo, onde todo mundo se conhece, é um pouco assustador.
Eu fui numa festa noutro dia onde uma menina falou pra mim “oi, você é a prima da fulana?” (normalmente o pessoal me pergunta se eu sou a kitty no canadá”). Eu respondi que sim. A menina ia ser madrinha do casamento da minha prima, elas estudaram juntas na faculdade. Como ela sabia que eu era prima da noiva, eu não sei até hoje. Mas aqui de uma forma ou de outra, todos estamos conectados, todo mundo se conhece e isso é muito esquisito. Isso de fato não sei se vou me adaptar um dia. Se você, pessoa normal, que não se expôe mas que conhece brasileiros que conhecem brasileiros, faz uma cagada e é capaz que um número gigante de pessoas saibam disso, imagina quem é um pouco mais conhecido?
Outra coisa com relação a pessoas é que acho que vendo como certas coisas funcionam aqui e que funcionam exatamente como no Brasil (que era uma coisa que eu pensei que fosse um pouco mais leve, mas em alguns casos, não), eu tive que amadurecer a minha cabeça pra realmente incorporar o fato de que o Canadá não é e nunca vai ser um paraíso. Amadurecer no sentido de deixar de ser tão trouxa e tão ingênua. Tem muita gente ruim, muita sacanagem e corrupção aqui. Como em qualquer canto do mundo. A forma com que eu passei a lidar com isso aqui é que eu acho que fez parte muito grande do meu processo de amadurecimento.
E apesar de ter achado que eu mudei muito aqui e amadureci também durante esse processo de adaptação, uma parte de mim também voltou a ser criança.
Acho que pela liberdade que nós temos aqui. Dois exemplos dos mais bestas são o fato de pela primeira vez eu ter pintado o cabelo de uma cor diferente (que meus pais torcem o nariz só de olhar pra mim) e a outra é querer andar com gorros de criança (de bichinhos e coisas fofinhas) na rua. É amadurecimento e não é, na verdade. Acho que talvez o fato de eu parar de me importar tanto com a opinião alheia (porque brasileiro, eu acho que num geral se importa muito com a opinião alheia) foi sim uma parte do processo de amadurecimento. Assim como o de ter me permitido fazer essas coisas que eu nunca faria no Brasil.
Peço desculpas pelo post tão longo. Espero que tenham curtido!